As transições educativas fazem parte da vida de qualquer criança ou adolescente e estão relacionadas com a passagem de uma fronteira, de um contexto conhecido para outro, o que pode trazer consigo receios, curiosidades, entusiasmo ou preocupações.

Ao longo do crescimento das nossas crianças, deparamo-nos com momentos que trazem uma ansiedade natural, seja porque chegou a altura da entrada de um bebé na creche, da passagem para o jardim-de-infância, da entrada do “miúdo” no 1º ciclo (escola primária), da mudança de uma escola para outra, de um contexto privado para público, ou da passagem dos mais crescidos para novos ciclos, para o ensino secundário, passando finalmente para a entrada dos jovens nas universidades ou no contexto laboral.

Os tempos que correm são obviamente diferentes dos tempos em que crescemos e vivemos estas passagens, e para os que se questionam sobre a razão de pensamos neste tema agora, se as vivemos com a naturalidade dos anos 70, 80, 90, ’00... bem, porque atualmente queremos compreender e viver ainda melhor estas transições, e porque os estudos apontam para que o nível de sucesso durante a transição escolar ou a transferência entre as fases de educação, quer ao nível social, emocional e académico podem ser fatores críticos para o desenvolvimento futuro da criança. As mudanças fazem parte da vida, e experienciá-las com suporte familiar, com um espírito de descoberta e entusiasmo pode trazer um sentimento de confiança e sucesso a ser transferido para os novos contextos. No fundo, as transições bem-sucedidas dependem do modo como são vividas e apoiadas.

A aprendizagem constitui-se enquanto um continuum de experiências e reflexão e geralmente as novas aprendizagens baseiam-se nas aprendizagens já realizadas, através de uma progressão natural de experiências e conhecimentos construídos.

No entanto, esta lógica nem sempre é valorizada, uma vez que, habitualmente, os programas e as escolas estão mais centrados em preparar as crianças para o nível seguinte (school readiness). No jardim-de-infância preparam-se as crianças para o 1º ciclo e assim sucessivamente, e ao longo dos anos preparam-se as crianças para a entrada na universidade.

Neste sentido, o que podemos fazer, enquanto adultos, pais, famílias e comunidade, para ajudar as crianças e jovens a atravessar estas pontes?

Conheça e explore: Questione a direção da escola e os professores sobre as medidas em relação às transições. Averigue se pode visitar os espaços com a criança/jovem, falar com outros alunos ou professores, compreender as dinâmicas do contexto. Pode ficar surpreendido com algumas atividades já estarem planeadas para facilitar este processo (ex.: crianças de jardim-de-infância conviverem ou fazerem atividades específicas com crianças do 1º ano do 1º ciclo; os pais de crianças pequenas poderem participar em atividades no início do ano letivo; visitas às escolas).

Escute e reflita em conjunto: Lance questões à criança/jovem, que permitam a reflexão em conjunto. (ex.: Queres fazer um desenho sobre a escola nova? O que gostarias de saber sobre a universidade que ainda não sabes? O que te preocupa mais na entrada do secundário? O que achas que pode ser mais difícil nesta escola nova? O que é que podia acontecer durante os próximos meses, que faria com que esta mudança fosse mais fácil para ti? Quais são as 3 coisas boas e menos boas da tua escola nova?)

Potencie os recursos internos: Provavelmente o(a) seu(sua) filho(a) não será o único a atravessar uma mudança nesse momento. Incentive que apoie outras crianças e jovens nesse processo, para que ele(a) próprio(a) se ajude a si mesmo(a). (ex.: Como podes ajudar o teu amigo neste momento exigente? O que podem fazer em conjunto para que esta fase seja mais fácil? O teu colega novo veio do Brasil, que giro! O que é que já sabes sobre ele?).

Valide as emoções: Se esta for uma fase difícil do ponto de vista emocional, não rejeite ou suprima as emoções (as suas e as da criança!). Reconhecer e dar um nome às emoções e sentimentos (mesmo com crianças pequenas) irá ajudar a que se tornem mais leves e passageiras. (ex.: É normal estares triste por não estares mais com os teus amigos todos os dias)

Partilhe histórias que já viveu: Todos nós já vivemos situações de mudança e pode ajudar a sua criança/jovem ao partilhar estes episódios e a forma como os vivenciou, sem desvalorizar o que ele(a) está a sentir neste momento.

Facilite a iniciativa e o papel ativo da criança/jovem: Exponha a criança/jovem a cenários variados, com crianças um pouco mais velhas, para que conheça realidades diferentes da sua e se sinta capaz de realizar atividades mais exigentes. (ex.: no final do ensino secundário explorar os programas ou atividades das universidades; acompanhar um primo mais velho numa atividade desportiva).

Flexibilize e reconheça a especificidade da criança: tornar as rotinas um pouco mais flexíveis em momentos de mudança pode ajudar a criança e lidar com sentimentos difíceis em fases mais exigentes. Cada criança é uma criança e cada família terá a sua forma de lidar com as transições, não havendo receitas mágicas.

Neutralize julgamentos ou opiniões enviesadas: Procure dentro do círculo familiar e dos amigos por informações e opiniões sobre um determinado contexto educativo, escola ou experiência de outra família. No entanto, tenha em consideração que diferentes famílias dão importância a diferentes aspetos e defendem valores distintos (ex.: infraestruturas, “exigência” do ensino, variedade das atividades, promoção de bem-estar, competências sociais e emocionais). A qualidade do ensino é um conceito altamente subjetivo e variável consoante os valores de cada um, assim como o “sucesso” académico da criança. Mantenha a clareza quanto aos valores que defende enquanto família.

Documente e crie memórias felizes: Incentive a criança/jovem a documentar este momento de transição. Criar um diário/journal, um scrapbook ou registar fotos e legendá-las, pode ser um exercício interessante para que este momento seja vivenciado de forma positiva, dando confiança à criança sobre a forma como viveu este momento importante e foi bem-sucedida. Rever e contar a história através desta “documentação” permite que ganhe confiança para futuras transições.

As transições educativas podem ser vistas como uma ponte em que não sabemos muito bem o que encontrar do outro lado. Com companhia, apoio e informação, essa travessia pode ser mais serena. Podemos, sem dúvida, aproveitar mais o presente, sem uma preocupação excessiva com a “preparação” das crianças. Afinal, nas palavras de John Dewey, “A educação é um processo social, é desenvolvimento. Não é a preparação para a vida, é a própria vida”.

Soraia Jamal

SJ

Soraia Jamal é mãe de um menino de 11 anos e de uma menina de 7. É psicóloga há cerca de 20 anos, tendo realizado um Mestrado em Educação de Infância. Tem feito investigação e organiza programas ligados à Parentalidade Consciente. É Membro do National Conciliation and Arbitration Board (NCAB), com formação em mediação de conflitos.