Pois é… Ainda é cedo para sabermos como vai terminar este «filme». Falta muito tempo, faltam muitos dias, faltam muitos dados. 

Ainda estamos, nós, cientistas, a tentar entender como se comporta este vírus, que «manhas» e estratégias ainda vai ele arranjar nesta luta que decidiu fazer contra o ser humano e já temos de antecipar o futuro.

Sabemos que é um vírus que não respeita fronteiras, que não distingue povos, nem religiões, opções políticas, etnias ou qualquer outra forma de diferenciação social. Sabemos, sim, que o seu objetivo é destruir a espécie humana e sabemos, também, que os estilos de vida que nós próprios fabricámos, que acarinhámos, que desenvolvemos, são em parte a razão da situação em que nos encontramos.

Quando pensamos que, em média, voam em aviões mais de 20 milhões de pessoas, atravessando em escassas horas o que, para Marco Polo, era uma viagem de uma vida, entendemos melhor a noção de «aldeia global» e de como o coronavírus SARS-2 conseguiu, em escassos dias, galgar fronteiras e fusos horários, estendendo-se a todos os países do mundo e afetando de forma até agora nunca vista à escala planetária, o dia-a-dia das populações do planeta. Por outro lado, essa mesma «aldeia global», através da Internet e de todos os meios e redes que esta permite, consegue mostrar fenómenos únicos de solidariedade, proximidade, entreajuda, informação e luta contra a doença. São as várias faces da moeda.

Uma pergunta se coloca, paralelamente às que se referem à crise, às suas origens e às medidas que atualmente se vão tomando: que sociedade emergirá destes «escombros»? Voltará tudo ao que era dantes? Um exemplo, porventura partilhado por todos nós: quando vemos imagens de um auditório cheio, seja para ouvir um concerto na Gulbenkian, seja para assistir a uma gala do Got Talent, quando vemos um filme em que as pessoas se abraçam e reúnem em festas – realidades normais e naturais há um par de semanas – ficamos estupefactos, e damos connosco a pensar: «são loucos! Eles não veem o perigo que correm?», mas eram as atitudes e comportamentos naturais no nosso quotidiano e quem haveria de dizer que, felizmente de um modo tão rápido, nos iríamos habituar a um «novo normal»?

Passada esta crise, que terá um fim à vista e que, no momento em que escrevo, tem sido geralmente bem gerida pelas autoridades, instituições e população e, com isso, poupado milhares de internamentos e centenas de mortes, o que ficará? Que sociedade será a portuguesa (e as outras) no «pós-COVID»?

A forma ordeira e civilizada como acatamos ordens e regras, num quadro democrático, a maneira como temos sido solidários, com grande espírito de amizade, cooperação, confraternização e civismo, o modo como as famílias se têm preocupado com os diversos elementos que a constituem, os exemplos diários de vizinhos que se organizam, voluntariamente, para dar apoio aos mais desprotegidos ou vulneráveis, como os sem-abrigo ou os idosos e doentes, são exemplos que mostram que, dentro de nós, havia e há uma parte boa… muito boa, mesmo, que valerá a pena capitalizar e fazer florir.

Pessoalmente, não acredito que o mundo fique na mesma, em termos de valores, ideais, práticas e vivências. Esta clausura a que o vírus nos forçou, apesar de muito maçadora e de grande impacte na economia, mostrou a cada um de nós que há coisas simples, pequeninas mas não pequenas em termos de importância, fáceis, muitas delas «a custo zero», que implicam refletir, contemplar, admirar, criar, conversar, trocar ideias, ouvir música, ler, simplificar e tanta coisa mais, que deverão começar a reger a sociedade que se organizará depois da pandemia, uma sociedade frugal, intimista, alegre e de profunda sensibilidade e reflexão.

As relações humanas serão, espero, mais pautadas pelo respeito pelo Outro, por o escutar e observar, por colaborar e cooperar, podendo concentrarmo-nos mais na criatividade, na Arte, na espiritualidade, aproveitando o que de melhor existe no ser humano, e não, meramente, no trabalho, na ganância, na cupidez, no materialismo e no desprezar e espezinhar os outros, tantas vezes mesmo, não apenas os colegas e vizinhos, mas amigos e familiares.

A palavra «crise» vem do termo grego «krísis», que significa «momento difícil, de decisão e de mudança súbita». Teremos, no final de tudo isto, de pegar na etimologia desta palavra e fazer jus a ela. Cresceremos, mudaremos, melhoraremos, iremos aperfeiçoar-nos e, em conjunto, criar um novo modelo que, juntamente com a Natureza, os animais, as plantas, o Sol, a Lua, o céu, o mar, os rios, o campo, as florestas, as flores, numa palavra, o Belo, dará origem a um ser humano novo. Insha’Allah!

Mário Cordeiro

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