A amizade é um dos aspetos fundamentais das relações interpessoais.

Podemos relacionar-nos com muita gente, no decurso da nossa vida profissional, de vizinhança, comercial ou em vários contextos, mas a amizade é diferente: obriga a um aprofundamento das relações, a um tempo de conhecimento e de aprendizagem, a uma exigência maior em rigor e qualidade, a critérios mais «finos» para «passar a malha». E também, designadamente, uma entrega e um investimento muito maiores, consubstanciados nas componentes do «dar» e do «receber».

Os amigos representam, para a criança (como para toda a gente, aliás), a segurança de que é amada e que tem também objetos e alvos para o seu amor. Os amigos obrigam a prescindir de parte da vertente egoísta e narcisista da pessoa, obrigam a fazer sacrifícios e a partilhar e ter sentimentos «vivos», como a alegria ou a tristeza, a realização e, quantas vezes também, a desilusão. Compartilhamos os sentimentos dos nossos amigos e sentimo-nos tristes quando eles estão tristes e alegramo-nos com os seus sucessos. Este desenvolvimento da empatia é fundamental para criar pessoas e cidadãos estáveis, altruístas e humanistas. Ter amigos é ter também alguém com quem nos podemos realizar, através das vidas deles, enriquecendo-nos constantemente.

Para a criança, um amigo é uma segurança, é um recurso para os momentos piores (verbalizar os problemas e desabafar são fatores protetores ao longo da vida, permitindo muitas vezes a resolução dos problemas). Um amigo é, igualmente, um apoio nas brincadeiras, na descoberta do mundo e na vida relacional. Os amigos também nos sabem dizer o que vai mal e está errado connosco – devem ser os nossos mais «ferozes» críticos –, ajudando-nos a descobrir-nos a nós próprios, nas nossas potencialidades, mas também nas nossas limitações. Ter amigos é uma coisa que deverá perdurar pela vida toda e mais vale poucos e bons do que muitos e «assim-assim».

Quando a amizade mais sólida é quebrada...

Às vezes as amizades inquebrantáveis vêm a revelar-se mais frágeis do que se poderia pensar, o que deixa, frequentemente, uma sensação de impotência, perplexidade e frustração. A tendência natural será culpar o outro e descobrirmos que, afinal, nos enganámos acerca daquela pessoa. Mas será assim tão simples? Duvido que, na maioria das vezes, o seja.

É, pois, essencial desenvolver um processo mental de reflexão, «a frio», para procurar ver porque é que isso aconteceu. Que motivos levaram um amigo a negar (provisória ou definitivamente) uma amizade? Teria sido um excesso de expectativas, nunca realizáveis? Teria sido uma ilusão que, mais tarde ou mais cedo, acabaria por revelar a evidência? Terá sido apenas um abanão que está a ser, por motivos intrínsecos ou exteriores, maximizada e exagerada? Será que a «Dona Emoção» está a asfixiar completamente a «Dona Razão»? Seja como for, compete aos pais ajudar a criança a decantar o problema, analisando os vários comportamentos e tentando ver o que correu mal e se isso é ainda reversível. Se a criança fez algo de errado – mesmo que, a princípio, lhe seja sempre muito difícil assumir –, deverá ter consciência disso e pedir desculpa aos amigos. Estes, se forem verdadeiros amigos, desculparão e perdoarão (o que são coisas diferentes, note-se!).

Se a resolução da questão for impossível, vale a pena ajudar a criança a aprender os ensinamentos desse episódio, sem minimizar o sofrimento (porque foi uma perda importante e tem que ser «sentida»), mas de modo a que não perdure – novas amizades virão e, dessa que acabou, há que retirar todos os ensinamentos, designadamente o que esses amigos nos ajudaram a melhorar no nosso Eu.

Amizades duradoras?

Na infância há amizades muito fortes, mas que têm tempo limitado e que acabam, por exemplo, de um ano letivo para o outro. Há amigos de férias, amigos de vizinhança, amigos de escola ou do desporto ou da arte, enfim, de múltiplas circunstâncias. Mas todos sabemos que um ou dois nossos amigos vieram da infância e, mesmo passados anos e anos, gostamos de os rever, porque temos sentimentos de pertença muito fortes e uma série de códigos, histórias e «estórias» em comum. A contagem do tempo é diferente, para esses amigos, e os laços que nos unem a eles tão fortes que não precisamos de estar diariamente a revê-los ou a confirmá-los.

A partir dos três anos, uma criança já tem noção do que é a amizade e da importância de um amigo.

No entanto, uma amizade não se força – desenvolve-se, vive-se, aceita-se, sofre-se com ela, partilham-se momentos bons, e não deve ser obrigatória. Se não toleramos certas coisas a «amigos» é porque, provavelmente, não serão tão amigos como isso. A verdadeira amizade é um relacionamento de verdade, de partilha e de aceitação. Os nossos amigos são como são e tentarmos constantemente mudá-los para serem da maneira que nos convém mais, é não termos a noção da autonomia e do respeito que a amizade deve manter. Temos de ensinar as crianças a ver o assunto por uma outra perspetiva: se a amizade resiste à diferença, então as pessoas nela incluídas são mesmo amigas. Talvez por isso tenhamos poucos amigos a sério. Outra coisa são conhecimentos, «amigalhaços», colegas e conhecidos...

Como poderão os pais entender as amizades dos seus filhos, para intervir bem?

Os pais não devem criticar os amigos nem os grupos de pertença, embora possam analisar com os filhos algumas atitudes de algumas pessoas e as dos filhos com essas pessoas. A amizade tem que ser compreendida no seu contexto e é um misto de lucidez e de emoção. Não podemos deixar que a lucidez nos dê demasiada racionalidade e intolerância, mas também há que sermos objetivos, até para ajudar os amigos quando temos de os criticar ou admoestar.
Os pais podem ser solidários e interessados nos amigos dos filhos, mas têm de deixar uma reserva de intimidade a estes, porque não é necessário expor tudo na «praça pública».

Os amigos são como nós próprios – é o que nos faz viver grandes entusiasmos e grandes deceções, alegrias e tristezas. Há quem prefira nunca se expor ou dar, com receio de poder vir a sofrer. Essas pessoas poderão conseguir isso, mas perderão também grandes emoções e paixões. O balancear do pêndulo é uma vertente da vida, que há que viver plenamente, para nos sentirmos cada vez melhores e cada vez mais aperfeiçoados, tolerantes, humanos e completos.

Mário Cordeiro

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