Longe do toque mas não da vista e do coração

Testemunho de uma educadora de infância, por Mª do Carmo Silva.

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... Como é ser educadora de infância à distância? Um grande desafio garanto.

Não sou youtuber nem tive formação para o que me esperava.

Todas as propostas apresentadas exigiram muitas horas de trabalho. Não só na preparação dos materiais como na pesquisa, na execução e na edição das mesmas. Aprender é fantástico e a autoformação também, contudo, não houve tempo para isso. Inquietações como: “O que vou partilhar e promover ajudará as 'minhas' crianças, as 'minhas' famílias, a ter ideias e a ser útil para que o consigam conjugar não só com o teletrabalho como também com tudo o resto que pertence agora à logística familiar dentro de quatro paredes?”; “Como dar resposta ao que é pedido burocraticamente e ao que sinto que faz sentido para o grupo específico de crianças e suas famílias que me foram confiadas?”; “Como separar intencionalidade pedagógica e continuidade de aquisição de competências das propostas lúdicas?”... as incertezas são muitas, o trabalho documental mantém-se, a continuação de desenvolvimento de atividades diárias, o cumprimento das regras que surgem com frequência... e assim, vou vivendo sob uma “jangada” num novo mar e horizonte desconhecidos. A brisa suave surge através da resposta das crianças e famílias aos desafios propostos que me dão alento e energia para não desistir e continuar.

A maior preocupação e objetivo sempre foi que ninguém se sentisse excluído da saudade, de fazer parte do grupo, de pertencer a uma comunidade educativa que deseja estar unida, e onde se tenta que cada um seja aceite por aquilo que é. Assim, foi altura de “arregaçar” as mangas e criar condições para concretizar esse desejo.

Desde trocas de emails e sms, a encontros na plataforma Zoom, às chamadas e vídeo-chamadas de WhatsApp, à criação e manutenção de uma página num grupo fechado de Facebook, aos diretos no Facebook todas as manhãs, essa caminhada vai sendo consolidada. Com caráter lúdico e não obrigatório são partilhadas propostas que abranjam diversas áreas curriculares desde histórias, jogos, canções, experiências, construção de projetos, ideias várias, como também partilhas de atividades realizadas pelas crianças e famílias.

Toda esta logística conta com a parceria e trabalho de equipa com as famílias. O seu feedback constante, as suas partilhas com a realização dos desafios, novas propostas, ideias, momentos em família, conversas por telefone e outros meios, evidenciaram que a comunicação estava a acontecer e a fluir, dentro da possibilidade de cada família. Tenho um grande carinho e empatia por todas as famílias e sei que são recíprocos, não só pelo momento como aquele que agora vivemos a nível social, mas porque é uma relação que cultivamos desde o início do nosso compromisso. Sem as famílias nenhum trabalho desenvolvido por um profissional de educação tem o sucesso desejado. Para que as crianças possam estar nos encontros tecnológicos é necessário que um membro da família tenha a disponibilidade para ligar um computador (ou telemóvel/ tablet) e que o possa ceder dentro desse horário (como ainda também acompanhar a criança, quando é das mais novas). Daí a importância de uma relação de confiança, respeito e mesmo amizade entre os profissionais de educação e os pais (e vice-versa).

As propostas de atividades têm também como intenção dar a oportunidade às famílias de poderem escolher entre realizá-las em conjunto ou que a criança a realize de forma autónoma. Deste modo não só os pais podem ter mais disponibilidade para poder trabalhar com alguma tranquilidade como também proporcionar autonomia e confiança à própria criança de o fazer por si mesma.

A escolha dos materiais e das propostas em altura de confinamento também são contempladas. Utilizar materiais de difícil acesso compromete a realização da atividade por parte das famílias que as queiram fazer. É também contemplado o espaço em que as atividades podem ser realizadas, podendo estas acontecer dentro ou fora de casa, consoante as possibilidades de cada família.

A logística familiar de pais com mais do que um filho é algo que também está contemplado nas minhas planificações. Principalmente existindo irmãos em idade escolar e em regime de telescola. Por isso a importância de ouvir o que as crianças/famílias têm para dizer e principalmente ouvir o que não é dito.

Estas atividades, apesar de lúdicas, contam sempre com a intencionalidade educativa de que as crianças aprendam a brincar (como o fazem sempre), por isso no próprio processo de construção, por exemplo dos jogos, essas aprendizagens estão sempre implícitas e incluídas.

Outro desafio foi como conciliar tudo isso com a minha própria vida pessoal e familiar. Também sou mãe, com duas filhas em regime de telescola, esposa e filha. E a verdade é que deixei de ter horários (e se antes já eram poucos).

Apesar do confinamento considero importante continuar a trabalhar as emoções. É crucial que as crianças consigam dizer o que sentem e que as oiçamos. Assim vão continuar a aprender a identificar e a dar nome ao que “têm lá dentro” para saber como lidar com tudo isso. E como saber se estamos a ir ao encontro de todos? Não nos conseguimos tocar, abraçar... o tempo só para aquele abraço, aquele miminho, aquela atenção... Por isso o feedback é tão importante. “Não te consigo tocar mas consigo ver-te... ouvir-te... e dizer-te que tenho muitas saudades tuas... desde aqui até à lua!”.

Como dar continuidade à relação existente com as crianças e suas famílias? Como tornar a comunicação prazerosa e não intrusiva, ou seja, ir ao encontro das necessidades, preocupações, anseios de cada um mas de uma forma atenciosa, empática e respeitadora da privacidade de cada família? Pelo feedback que tive dos pais sim, conseguimos (escola e família) dar continuidade a esta relação com aquilo que cada um de nós tem para dar, sempre numa base de respeito e cumplicidade.

Acima de tudo somos profissionais do afeto. Esta é a base de tudo. Eu aprendo quando crio relação. Quando me sinto respeitada pelos meus modelos e aprendo a respeitá-los também. Dá-me vontade de querer saber mais, aprender mais e a ser melhor. Com crianças pequenas faz-se tudo isto a brincar. A criar cumplicidades. A respeitar a pessoa, seja ela pequena ou não. E como fazer isso à distância? Esta questão sempre me acompanhou e ainda muito antes do confinamento. Quando estamos longe uns dos outros, quer seja ao fim de semana, ou de férias ou por motivo de doença há que conseguir manter o vínculo e estar sempre lá, naquele sítio especial onde vivem as nossas emoções. “És importante para mim”... é isso!

Carmo Silva

Maria do Carmo Silva, licenciada e mestre em Educação Pré-Escolar e 1º CEB, na Escola Superior de Educação Paula Frassinetti (Porto). Apaixonada pela arte de educar e autora do relatório “Às vezes faço de conta que não vejo dedos no ar: o estatuto da criança como co-decisora em contextos educativos”. Considera-se um “trampolim” na vida das crianças com quem se cruza para as potenciar a voar cada vez mais alto com as asas que cada uma tem. Descobriu a Pedagogia de Janush Korczack enquanto estudava, fã do professor Humberto Manzi e inspirada em Santa Paula Frassinetti na educação “pela via do amor”.

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