Decorria o ano 2000 quando a Comissão Europeia fez sair o «Memorando sobre Aprendizagem ao longo da Vida», refletindo a mudança que o Mundo e os seus paradigmas em termos de formação e educação estavam a enfrentar (basta lembrar o papel da internet na viragem do século). Foram aqui lançadas as bases de reflexão sobre o que seria importante para capacitar os cidadãos europeus numa nova ‘cidadania’, bem como ideias chave e exemplos que as Instituições pudessem ter em consideração neste processo de mudança.
Importa esclarecer que este conceito de ‘Aprendizagem ao Longo da Vida’ pouco tem a ver com o que habitualmente temos de ‘Universidades da terceira Idade’… muito pelo contrário!
A ‘Aprendizagem ao longo da vida’ tem muito mais a ver com o conceito Anglo-saxónico de Lifelong Learning, generalizado na década de 70 do século passado e que pode ser traduzido como «as estruturas e estratégias organizacionais e didácticas que permitem que a aprendizagem ocorra desde a infância até à idade adulta». Ou seja, estamos perante uma estratégia de desenvolvimento de uma sociedade e não apenas numa decisão individual de progressão numa carreira ou de ocupação de tempos livres para pessoas adultas. Por outras palavras: Se uma pessoa tem o desejo de aprender, ela deverá ter condições para o fazer, independentemente de onde e em que altura da sua vida, isso ocorre
O Memorando é muito claro nos objectivos desta estratégia. A aposta na ‘Aprendizagem ao longo da Vida’ visa:
• Construir uma sociedade inclusiva que coloque ao dispor de todos os cidadãos oportunidades iguais de acesso à aprendizagem ao longo da vida, e na qual a oferta de educação e formação responda, primordialmente, às necessidades e exigências dos indivíduos;
• Ajustar as formas como são animadas as acções educativas e de formação, e como está organizada a vida profissional, de modo a que as pessoas possam participar na aprendizagem ao longo das suas vidas e possam, elas próprias, planear modos de conjugar aprendizagem, trabalho e família;
• Atingir níveis globalmente mais elevados de participação mais activa em todos os sectores, por forma a garantir uma oferta de educação e formação de qualidade, assegurando em simultâneo que os conhecimentos e as competências dos indivíduos correspondam às exigências em mutação da vida profissional, organização do local de trabalho e métodos de trabalho; e
• Incentivar e dotar as pessoas de meios para participar mais activamente em todas as esferas da vida pública moderna, em especial na vida social e política a todos os níveis da comunidade e também no plano europeu.
Já em 1999, no relatório para a UNESCO sobre a Educação do Séc XXI (depois editado em livro – Educação, um Tesouro a Descobrir), o próprio Jacques Delors fala nos 4 pilares da Educação, lançando as bases para uma aprendizagem ao longo daquilo a que ele chamou «da vida humana»:
O primeiro desses pilares é o Aprender a CONHECER. Este pilar assume uma particular importância na medida em que se centra nos meios, instrumentos e métodos que o indivíduo deve dominar para conhecer o mundo que o rodeia. O tempo livre e o aumento da escolaridade deverão estimular a curiosidade e o desejo de aprender ao longo da vida. Estamos a pressupor, mais do que os conhecimentos científicos ou teóricos, a própria aprendizagem de como aprender: o exercício do intelecto, da memória, da dedução e da atenção.
O segundo pilar é o Aprender a FAZER. Muito mais ligado à formação profissional, este pilar representa todo o tipo de aprendizagens ligadas à manufactura e à operação de máquinas, mas não só. Trata-se da capacidade de adaptação, de experimentar, de aprender com os erros, de conjugar todos os saberes de que dispomos e de os sabermos aplicar à nossa profissão, numa perspectiva de desenvolvimento e de melhoria contínua.
Se estes dois pilares, melhor ou pior, sempre foram tidos em consideração desde os primeiros tempos em que se estruturou o ensino-aprendizagem, o mesmo já não se pode dizer dos seguintes, senão vejamos:
O terceiro pilar é o do Aprender a CONVIVER. Num mundo cada vez mais global, é importante desenvolver competências relacionadas com a visão que se tem dos outros e que os outros possam eventualmente ter de mim. Estamos a falar do ‘anular’ as diferenças e os preconceitos que nos podem levar a conflitos entre povos ou entre classes, cada vez mais fomentadas pela actual sociedade economicista e concorrencial. A importância da cooperação, do esforço comum, da variedade e da diversidade, devem ser valores a ser incutidos na Educação. Há que desenvolver duas vias complementares: a descoberta progressiva do outro e, ao longo de toda a vida, a participação em projetos comuns, tendo este método o intuito de evitar ou resolver os conflitos latentes.
Por fim, o quarto pilar é o do Aprender a SER. O foco deste pilar é o desenvolvimento integral do ser humano na sua plenitude. Espirito, corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade pessoal e espiritualidade. Todo o ser humano deve receber uma educação que lhe dê ferramentas para o despertar do pensamento crítico e autónomo. Estamos a falar da criatividade, da imaginação, da contestação, da consciência última da liberdade de cada indivíduo. Aqui o acesso à cultura e à arte desempenham um papel crucial na Educação de cada um dos indivíduos e ao longo de toda a sua vida.
Segundo Delors «Esse desenvolvimento do ser humano, que se realiza desde o nascimento até à morte, é um processo dialético que começa pelo conhecimento de si mesmo para se abrir, em seguida, à relação com o outro. Nesse sentido, a educação é, antes de mais nada, uma viagem interior, cujas etapas correspondem à da maturação contínua da personalidade.»
Mas tudo o que falámos até agora remonta a textos com 20 anos… será que ainda faz sentido a Aprendizagem ao Longo da Vida nos dias de hoje?
Vejamos:
• A tecnologia continua a evoluir a uma velocidade estonteante. Desde a importância que as redes socias tomaram nas nossas vidas, passando pelo a omnipresença dos smartphones e terminando nas mais recentes formas de aprendizagem à distância, tudo pareceria um conto futurista na passagem do século.
• As divisões políticas e sociais mantêm-se, se é que não se acentuaram, nos mais diversos pontos do globo. Parece que já foi há muito tempo, mas ainda o ano passado estávamos a ser confrontados com uma quantidade inimaginável de emigrantes que tentavam entrar na Europa vindos do Norte de África. As desigualdades sociais, o racismo vivido na América do Norte, as guerras religiosas que assolam os países Árabes ou o coração de França são uma constante nos nossos noticiários.
• As sucessivas crises económicas que a nossa sociedade tem enfrentado, têm acentuado as desigualdades entre as classes e o acesso ao emprego dos mais desfavorecidos. Os números revelados por todos os Estados da união Europeia relativamente ao emprego nesta época de pandemia são assustadores para aqueles que têm menos habilitações.
• O acesso ao poder dos partidos extremistas é uma constante, seja na Europa, seja no resto das sociedades democráticas. Considerados como votos de protesto, ou como votos de verdadeira convicção, mão podemos deixar de olhar para estes fenómenos como sinais de uma intolerância por quem é diferente e por quem pensa diferente de nós.
• A massificação da cultura e do gosto é uma realidade. Se pensarmos nos estúdios de produção de filmes, nas editoras discográficas, nas roupas, na comida… podemos percorrer todo o planeta e ver os mesmos filmes, ouvir as mesmas musicas e comer a mesma comida. Os artistas locais lutam para sobrevier, enquanto as grandes estrelas são cada vez mais conhecidas.
Posto tudo isto… será que é importante ‘aprender ao longo da vida’ nos dias de hoje? Nós acreditamos que sim!
Se há algo que pode verdadeiramente mudar o mundo, é a educação e a arte! Acreditamos que temos de incentivar aqueles que partilham o mesmo espaço e o mesmo tempo que nós (a humanidade que nos é contemporânea) a continuar a estudar, a estimular os seus gostos, a abrir o seu mundo!
E nós próprios… porque não? Cada um de nós… quando foi a ultima vez que nos inscrevemos num curso? Lemos um ensaio? Fomos ver uma exposição de arte contemporânea?
Nestes tempos de ‘Confinamento’, porque não dar uma vista de olhos nos cursos online, grande parte deles gratuitos, leccionados pelas melhores universidades do mundo. Pode dar uma vista de olhos aqui:
https://pt.coursera.org
https://www.mooc-list.com/
Como diz Fernando Pessoa, pela voz de Alberto Caeiro:
«Da minha aldeia veio quanto da terra se pode ver no Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não, do tamanho da minha altura...»
Referências:
. UNESCO.Educação - Um tesouro a descobrir. 7ª ed. Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. Brasília, Cortez: 2012
. COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS: Memorando sobre Aprendizagem ao Longo da Vida; Bruxelas, 2000
Sobre o autor
Nuno Jorge Cruz da Silva é licenciado e e Mestre em Filosofia, pela FCSH da Universidade Nova de Lisboa. É formador freelancer na área comportamental, nomeadamente atendimento de excelência, gestão de conflitos, liderança e gestão de equipas e outros. É ainda consultor para diversas entidades e entre 2016 e 2018 foi responsável pela Formação Externa da Academia de Formação da Fundação INATEL e docente universitário de 2006 a 2010 na Escola Superior de Design e na Escola Superior de Marketing e Publicidade do IADE.