ArtSpark Challenge - Eu e o Outro por Diana Siza

Eu e o Outro

Olho pela janela e reflito sobre o momento em que vivemos. Fechados em casa para a nossa e para a proteção dos outros. Reflito sobre os momentos que já vivi: uns tão felizes, outros nem tanto. Momentos que todos nós já passámos. Alguns desses momentos deixam saudades. Saudades de um sorriso, saudades de toda a família sentada à mesa ao jantar, saudades de ver o pôr-de-sol, saudades dos momentos com os amigos, saudades de um abraço...

O poder de um abraço que hoje é tão importante e tão impossível. O abraço que nos dá segurança, que aquece o coração, que substitui mil palavras...hoje, por segurança, não é possível. Temos de manter a distância para nos protegermos. Temos que guardar o abraço para o depois.

Saudades de pisar a areia, sentir a brisa do mar. Temos saudades de tantas coisas que fazíamos no dia-a-dia. Mas existe outro sentimento que nos une como Ismailis. Saudades de ir jamatkhana! De pisar a alcatifa e sentir o cheiro do agarbati quando entramos. Saudades de orarmos em conjunto. Saudades de uma sexta-feira em que encontramos toda a gente. Saudades de ouvir “Ya Ali Madad”. Saudades de sentir o coração a bater depressa quando ouvimos o ginan que gostamos. Saudades de sentir o poder da oração em conjunto na nossa alma. Saudades dos sorrisos, saudades das nossas festas, saudades do rasrá. Saudades, acima de tudo, de sermos uma só comunidade. Uma comunidade que se junta em todos os momentos. Uma comunidade que sente saudades de ser uma comunidade que se junta, que partilha momentos inesquecíveis que hoje nos vem à memória e nos aquece o coração. Uma comunidade que quebra as barreiras e se torna online para que não percamos o seu sentido. Mas, sabemos que é provisório. Sabemos que num futuro breve, estaremos novamente juntos. Que estaremos no nosso jamatkhana, todos juntos. E hoje, sabemos a importância de estarmos juntos, de orarmos juntos e, esperamos que muito em breve, estjamos a festejar livres deste pesadelo que nos tornou tão conscientes.

Conscientes! Essa é a palavra correta. E, quando reflito sobre esta situação, sei que existem lições que poderemos retirar dela. Lições que aprendemos desde crianças no Dar-at-Ta’lim como a criação de Allah. Nós, seres humanos, deixamo-nos contagiar por tudo o que é material. E o poder da evolução, de ter sempre mais pode também ser negativo. Pois, acabamos por tomar o mundo como nosso e não nos vemos como simples ocupantes que respeitam toda a criação de Allah. Bastou ficarmos em casa para podermos ouvir, nas ruas desertas, o chilrar dos pássaros. Para podermos verque os rios se tornaram mais limpos, que os animais voltaram aos seus habitats naturais e que até a camada de ozono diminuiu. Será que aprenderemos a lição? Seremos os mesmos quando voltarmos a sair? Só o futuro nos dirá.

Outra das lições foi o tempo. O tempo passa muito rápido e houve momentos que perdemos. Porque usamos a desculpa de “não ter tempo”. Não ter tempo para estarmos com quem mais gostamos porque precisávamos de trabalhar mais horas, porque estávamos cansados e por outras razões mais. E hoje, sabemos que não devemos desperdiçar o tempo. E não o devemos perder e nem perder a oportunidade de dizer aquilo que sentimos às pessoas de quem gostamos. Um “adoro-te”, um “amo-te” e até um “obrigado” que deixamos para depois não devem ser guardados para nós ou para uma outra oportunidade. Porque pode não existir o depois, pode não haver mais a outra oportunidade: nem para quem o diz e nem para quem o ouve. Não perder a oportunidade de ajudar quando precisam de nós, não perder a oportunidade de estar em comunidade, não perder a oportunidade de dar o abraço que o outro precisa e não o diz. Esta é a hora, de ligar a quem mais gostamos, de saber do outro. Temos o tempo e os meios para o fazer. Para quê deixar para depois?

A última das lições é que os super-heróis existem. Mas não vestem capas, não voam e nem têm superpoderes. São seres humanos que ultrapassam os seus próprios limites para salvar vidas, que se arriscam para que não falte nada às famílias que se encontram em casa. Que têm empregos precários, mas não desistem até ao último segundo de salvar vidas, de servir, de ajudar. E ainda existem outros super-heróis que estão em casa e que se dividem entre o tempo que dedicam aos seus filhos e ao teletrabalho. Pais que, outrora, teriam que deixar os seus filhos na escola para trabalharem e hoje são educadores, professores, trabalhadores e “donas de casa” ao mesmo tempo, sem folgas! Super-heróis que não vestem capas, que não voam, que não têm superpoderes, mas que existem em todos nós.

Não conseguimos perceber a finalidade de estarmos numa guerra sem armas, numa guerra em que o inimigo é invisível e que a nossa única proteção é estarmos em casa, longe de todos. A nossa única opção é ajudarmos mutuamente. E o mundo parou para isso. As barreiras das diferenças foram quebradas para lutarmos juntos e sobrevivermos.

Mas se refletirmos, conseguimos pensar em todas as lições que poderemos tirar, conseguimos pegar no telefone e arranjar tempo para ligarmos àqueles de que temos saudades. Refletirmos sobre o nosso futuro, sobre o depois desta pandemia passar. Refletirmos sobre tudo de errado que nós todos fizemos e que não deveremos voltar a fazer. Pensarmos que não somos seres individuais, mas que somos uma comunidade. Uma comunidade mundial. E que devemos ajudar o outro sem esperar nada em troca. E que um abraço e um sorriso dos que mais amamos vale cada segundo que esperamos livres, mas fechados em casa!

Por Diana Siza