Apesar do que dizem as estatísticas nos países ocidentais, a discriminação ainda subsiste, principalmente para o sexo feminino.
Embora sejam mais numerosas, as mulheres ainda são penalizadas em termos salariais, em termos de acesso a alguns cargos e profissões e até o peso da conciliação entre a vida doméstica e profissional continua a recair, essencialmente, sobre as mulheres. Mas a mulher não é a única a ser discriminada, os homens também o são, principalmente no que toca aos direitos parentais. Isto significa que a nossa sociedade ainda espera comportamentos diferenciados de homens e mulheres e atribui-lhe papéis distintos.
Apesar de não existirem quaisquer evidências científicas que comprovem diferenças de desenvolvimento cognitivo entre homens e mulheres, existe a perceção de que os homens são mais independentes, competitivos e agressivos; e as mulheres são mais emotivas, gentis e empáticas. Esta diferença dever-se-á à multiplicidade de influências inerentes ao processo de socialização, que começam logo que é conhecido o sexo da criança. Mas será que ambos, homens e mulheres, não seriam seres humanos mais completos e felizes se tivessem a oportunidade de explorar todas as suas características e não cingir-se àquelas que a sociedade associa a cada um dos sexos? Penso que isto é consensual.
Um dos principais agentes de mudança na prevenção de qualquer tipo de discriminação (de género, de raça, de religião, de cultura…) é a escola, mas a família tem um papel ainda mais importante a este nível. É no seio da família, e desde muito cedo, que se podem superar preconceitos e estereótipos, porque é nesse contexto que se inicia a aprendizagem e a construção do nosso “eu”, da nossa forma de ser e estar, muito assente nos modelos vistos em casa.
Nós, pais, muitas vezes não temos a consciência disso. Se tivéssemos, acho que refletiríamos um pouco mais antes de fazermos ou dizermos algumas coisas. E estou a falar de pequenas coisas do nosso quotidiano: os comentários que fazemos ao ver televisão, o tipo de brinquedos que escolhemos ou até a cor da roupa que compramos.
Pegando no exemplo dos brinquedos. Um brinquedo não é um objeto neutro: é uma forma de simulação e aprendizagem da vida adulta e encaminha desde logo os comportamentos e práticas sociais. Se as meninas tiverem à sua disposição apenas bonecas, tachos e panelas, estojos de cabeleireiro, kits de maquiagem, etc., estamos já a incutir nelas um conjunto de expectativas. Para além disso, esse tipo de brinquedos tem uma finalidade já muito estabelecida e por isso não fomenta a criatividade, ao contrário do que acontece com as pistas, os legos e as construções, normalmente oferecidas aos rapazes. Esta desigualdade de estimulação poderá refletir-se mais tarde em aspetos como a capacidade de resolução de problemas, a apetência para enfrentar desafios e até a autoconfiança (Block, 1984). Já os rapazes, poderão ficar aquém em termos estéticos ou da capacidade de empatizar e cuidar.
Pensemos agora nas atividades desportivas dos nossos filhos: quantos rapazes praticam ballet? Ou quantas raparigas praticam rugby? Poucos, certamente. E porquê? Será porque efetivamente a esmagadora maioria faz essa escolha ou porque nós, pais, assim queremos que seja? Também o leque de ofertas pode influenciar o desenvolvimento motor das crianças, com reflexos posteriores em termos de equilíbrio, orientação espacial, força ou coordenação.
Este tipo de preconceitos é até um pouco estranho porque, no nosso quotidiano, já não ficamos assim tão surpreendidos ao ver uma mulher a conduzir um autocarro ou um homem a ser educador de infância. Mas conseguem pensar como foi difícil o percurso dos primeiros homens a seguir a carreira de bailarinos? Ou das primeiras mulheres que quiseram ser engenheiras civis ou aeroespaciais? No entanto, ninguém põe em causa que todos temos o mesmo direito à realização pessoal e profissional!
Enquanto pais, se queremos que os nossos filhos tenham a possibilidade de ser o que quiserem e de fazerem o que realmente lhes traz felicidade, temos a obrigação de os deixar explorar todos os seus interesses e potenciar todas as suas capacidades. Sem nenhum preconceito! O primeiro passo é tomar consciência do nosso papel nessa mudança, porque tem de começar em nós a aceitação plena dessa igualdade para podermos educar os nossos filhos com base nessa premissa. Só desta forma poderemos erradicar todo o tipo de discriminação, tornando a nossa sociedade mais livre e justa.
por Sandra Leal
Sobre a autora
Sandra Leal é licenciada em Psicologia, na área educacional, pelo ISPA, e Mestre em Educação Especial, pela FMH da Universidade Técnica de Lisboa. É psicóloga em contexto escolar, especial e regular, desde 1999 e Coordenadora do Centro de Recursos para a Inclusão (CRI), da APPACDM de Lisboa, desde 2012.