Hoje partilhamos consigo o testemunho da professora de Educação Especial, Luísa Bexo, que nos relata os momentos que tem enfrentado após o regresso à escola de uma forma tão atípica.

Regressámos à escola, após vários meses sem contacto presencial (comunicámos via zoom). Perdemos o cheiro, a voz, os sorrisos e até as zangas com os amigos. Ficámos em casa num confinamento que, mais do que físico, foi emocional.

Não foram as pernas que ficaram trôpegas nem os cabelos que cresceram demasiado ou até os doces em excesso para atenuar as saudades, que mais nos preocuparam, mas sim esta prisão interior que não deixou os braços abrirem para o abraço, nem os lábios tocarem a face no beijo da amizade. A preocupação maior foram as emoções que, num turbilhão, passaram a ser o contrário daquilo que ensinámos aos nossos filhos e que nos ensinaram os nossos pais.

Desta forma se viveram os últimos meses do ano escolar que passou e que a todos arrasou, num cenário que nos fez temer pela vida. A COVID-19 deixava um rasto de perturbação invisível, pronto para nos apanhar à mínima distração… ficámos inquietos… temerosos… e aprendemos a olhar… apenas OLHAR…!

Abrimos as portas a um novo ano letivo. Como presidente da Associação (onde sou também professora) onde trabalhamos com uma população com deficiência, tenho um sentido de responsabilidade enorme para que tudo corra bem e, para isso, foi elaborado o Plano de contingência que foi afixado e explicado e que se pretende que seja criteriosamente cumprido.

Recebemos os colegas para uma reunião inicial e foi um dos momentos mais difíceis da minha vida profissional… enfrentar o bicho e o terror estampado na cara de quem teria de regressar ao trabalho como se estivesse em território minado, à espera que uma mina rebentasse a cada passo mal dado. Estávamos num campo de guerra em que o inimigo era invisível sendo, por isso, uma luta desigual e injusta.

A medo, os funcionários entenderam que a vida teria de continuar… e a nossa missão de receber os alunos era prioritária, dadas as características da nossa população.

São muitas as dúvidas e vamo-nos socorrendo de uma vasta legislação enviada pela DGS e pelo Ministério da Educação.

Depois… abrimos a escola para um novo ano letivo e os alunos foram chegando… a medo… com as caras tapadas (os que conseguiam) e abraços por dar…

Dividiram-se os grupos e os jovens estavam tristes com todas estas mudanças…!
Chegou a Cristina (uma jovem com 57A com trissomia 21) e não compreendeu…! Nunca irá compreender… porque a Cristina é ABRAÇO e não há quem lho impeça… nem a COVID-19.

Entra também a Raquel (com autismo), a quem demorámos vários anos para conseguir que nos desse um beijo (prática que passou a ser diária) e agora… repete continuamente: nem abraços nem beijos… nem abraços nem beijos…!

Chegou depois o João que, logo que me viu, rasgou a máscara para mostrar o seu sorriso rasgado de satisfação por regressar à escola…

No entanto, o regresso não se fez com a mesma alegria… eles (os alunos) sentiam que algo tinha mudado…! E o primeiro dia foi difícil, o segundo… o terceiro… muitos… todos difíceis e sempre com uma nuvem negra a pairar por cima das nossas cabeças, onde cada dia que passa sem haver um “caso” é uma vitória!

Tem sido assim… esta dualidade de funções, a de Presidente que zela para que tudo corra bem e que as regras sejam cumpridas escrupulosamente e a de professora de um grupo que não percebe nem abdica dos afetos a que tem direito… porque os tem tido durante todos estes anos em que estão nesta escola!

Por vezes a escolha é difícil em relação aos procedimentos a tomar, estes alunos, na sua maioria não sabem que existe este vírus, da mesma forma que não sabem as horas ou o dia da semana. O que sabem, querem e precisam, é do nosso afeto, atenção e carinho, porque foi sempre assim e não aceitam que seja de outra maneira…! 

Corrermos, assim, riscos calculados… todos os dias, mas … A VIDA TEM DE CONTINUAR…!

Por Luisa Bexo

Sobre a autora:

Luisa Bexo é professora e trabalha há 34 anos no ensino especial no Concelho de Almada.

Faz da estimulação da atividade artística a principal ferramenta pedagógica, atingindo resultados muito positivos na vida dos jovens com quem trabalha, elevando a sua autoestima e, acima de tudo, proporcionando a sua integração na sociedade. Tem proporcionado aos seus alunos várias exposições e concursos de arte, onde estes saem ganhadores e se tornam conhecidos pelo seu trabalho, contribuindo, assim, para uma sociedade mais justa e igualitária, onde a deficiência perde relevância perante a “obra” do artista.

Tem sido oradora em várias conferências, nomeadamente, no Congresso Internacional das Cidades Educadoras, para além de outros, acreditando que... somos todos artistas!